Cabral Filho quer facilitar entrada da Aracruz no RJ

Projeto de Lei enviado à Alerj em regime de urgência pretende mudar atual legislação ambiental, que restringe o plantio de monoculturas no estado. Organizações do movimento socioambientalista se mobilizam para evitar chegada do “deserto verde” ao Rio de Janeiro.

Maurício Thuswohl – Carta Maior
Data: 21/05/2007

RIO DE JANEIRO – A capacidade de influência das grandes empresas produtoras de celulose que operam no Brasil sobre alguns governos estaduais em início de mandato parece estar mesmo em alta. Primeiro, foi a governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius, que demitiu a cúpula da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, para atender às pressões de empresas como Aracruz, Stora Enso e Votorantim, que queriam maior celeridade na implementação de seus projetos em terras gaúchas. Agora, é a vez do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho, comprar briga com o movimento socioambientalista por ter enviado à Assembléia Legislativa (Alerj) um projeto de lei que altera a lei ambiental em vigor e facilita à introdução da monocultura da celulose no estado.

Enviado à Alerj no dia 2 de maio, em regime de urgência, o Projeto de Lei 383/07 altera a Lei Estadual 4063/03 que, entre outras coisas, impõe uma série de restrições à instalação de monoculturas predatórias no Rio de Janeiro. Considerada uma das mais avançadas do país, a lei em vigor condiciona a chegada de qualquer empreendimento de monocultura à realização prévia do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) no estado, além de exigir dos empreendedores a obrigação de plantar o equivalente a 30% de sua produção com espécies nativas da Mata Atlântica (ou 10%, se já existir 20% de mata preservada).

O governo está decidido a mudar essa realidade, e o objetivo de facilitar a chegada da silvicultura (leia-se monocultura do eucalipto) ao Rio de Janeiro é revelado de maneira clara no PL 383/07. A principal alteração trazida pelo projeto enviado por Cabral é que a lei deixaria de considerar o estado de maneira unitária e passaria a dividi-lo em 10 regiões hidrográficas. Assim sendo, em algumas das regiões a contrapartida exigida pelo governo aos silvicultores em forma de preservação da mata nativa seria reduzida dos 30% atuais para até 15%.

Numa escala elaborada pelo governo, há uma região onde a silvicultura seria proibida (Angra dos Reis, Paraty e Ilha Grande). Nas outras nove regiões, o plantio seria liberado até determinado numero de hectares, numa escala que vai de dez hectares (na bacia do Piabanha) até 50 hectares (Norte/Nordeste do estado). Áreas maiores precisarão de licenciamento do governo e apenas aquelas que ultrapassarem 250 hectares, independentemente de onde estejam localizadas, demandarão a apresentação de Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA).

Outra mudança que o governo pretende introduzir na lei é o fim da exigência de realização prévia do ZEE em todo o estado. De acordo com o PL 383/07, bastará a elaboração de um Zoneamento Ecológico-Econômico regional para que um empreendimento de silvicultura possa se instalar. Além disso, os custos desse zoneamento que, pela lei em vigor, devem ser repartidos entre o poder público e os empreendedores interessados, passarão a ser, se o projeto de lei for aprovado, bancados exclusivamente pelo governo.

“O PL proporciona facilidades para a implantação da silvicultura em larga escala, em consonância com os interesses das grandes empresas de papel e celulose”, afirmam, em artigo escrito conjuntamente, os professores Carlos Walter Porto-Gonçalves (UFF) e Paulo Roberto Alentejano (Uerj). Os cientistas fazem um alerta: “Além da evidente promiscuidade de interesses entre Estado e capital privado, é preciso observar as falácias contidas no discurso do desenvolvimento que acompanha esta iniciativa”.

Passeata contra a celulose
Quem também não gostou nada do PL enviado pelo governo foi a Rede Alerta Contra o Deserto Verde, que reúne organizações como o MST, a CUT, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), além de dezenas de outras. Depois de participar em peso da audiência pública sobre o tema, realizada na Alerj no dia 16 de maio, os representantes da Rede partiram em passeata que seguiu pelas ruas do Centro do Rio e parou em frente à sede do Tribunal Regional Federal (TRF), na Praça Mauá.

Em nota divulgada durante a manifestação, a Rede afirma que “as entidades do movimento social e ambiental são contra a mudança na legislação” e alerta que “a alteração [da lei] permitiria o plantio da monocultura de eucalipto no Estado, ameaçando o meio-ambiente e a sobrevivência de pequenos agricultores e transformando, ao longo dos anos, as áreas plantadas em desertos verdes, em função das características predatórias do plantio do eucalipto em larga escala”.

Rede tenta encontro com Cabral
Os socioambientalistas denunciam os problemas trazidos pela monocultura do eucalipto, como a baixa geração de emprego, o uso excessivo de agrotóxicos, a exaustão da água do solo e o elevado número de acidentes de trabalho, entre outros. A direção regional do MST afirma que 80% das terras que serão ocupadas pela produção de celulose em caso de aprovação do PL 383/07 são originalmente destinadas à reforma agrária: “A cada 183 hectares usados pela Aracruz Celulose, a empresa precisa de apenas um trabalhador ao custo de R$ 1,2 milhão de investimento. Como instrumento de inclusão social, a reforma agrária distribui lotes com cerca de 10 hectares, em média, que ocupam famílias inteiras a um custo médio inferior a R$ 60 mil”, afirma uma nota divulgada pelo movimento.

Uma vitória a Rede Alerta Contra o Deserto Verde já conseguiu. Os deputados André do PV, Paulo Ramos (PDT) e André Corrêa (PPS), os mesmos que propuseram a realização da audiência pública do dia 16 de maio, se comprometeram a pedir ao presidente da Alerj, Jorge Picciani (PMDB), que retire o PL 383/07 do regime de urgência, além de organizar uma segunda audiência pública sobre o tema. Os parlamentares também se comprometeram a negociar com o governador a realização de um encontro com representantes da Rede. O pedido foi feito a Cabral em abril, antes do envio do PL à Alerj, mas o governador ainda não abriu espaço em sua agenda para receber os socioambientalistas.
MANIFESTANTES PROTESTAM CONTRA NOVO PROJETO DE ZONEAMENTO ECOLÓGICO
Jornal da Alerj
Representantes de diversas entidades da sociedade civil, dentre eles trabalhadores rurais e indígenas, lotaram o Plenário Barbosa Lima Sobrinho, da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, nesta quarta-feira (16/05), para protestar contra o projeto de lei 383/2007 (mensagem 14/07) do Poder Executivo que trata do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE-RJ). Segundo eles, o projeto permite a expansão do plantio da monocultura do eucalipto no Estado do Rio de Janeiro.

A audiência pública conjunta, organizada pelas comissões de Trabalho, Legislação Social e Seguridade Social; de Defesa do Meio Ambiente; e Economia, Indústria e Comércio, ouviu inúmeros depoimentos, dentre eles o do secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Júlio Bueno, que defende a implantação do plantio da árvore no Norte e Noroeste fluminense. Diante das opiniões contrárias, os presidentes das comissões acreditam que seja necessária a convocação de uma nova audiência para a discussão desse projeto. “Sou a favor de uma nova audiência pública até para que possamos escutar mais a sociedade e para que o Governo possa ter outra visão do assunto”, defendeu o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Alerj, deputado André do PV, que acredita que novas reuniões devem ser realizadas para que se possa ouvir ainda outros setores do governo.

Para o presidente da comissão de Trabalho, Paulo Ramos (PDT), o projeto precisa ser reavaliado. “O governador tem que ouvir os dados das representações presentes aqui hoje”, declarou o pedetista. Ele pretende, ainda, agendar um encontro com o presidente da Alerj, deputado Jorge Picciani (PMDB), para pedir a retirada do pedido de urgência para a votação do projeto de lei do ZEE-RJ. O presidente da Comissão de Economia, Indústria e Comércio, André Corrêa (PPS), ressaltou que nesta reunião foi possível registrar contribuições que irão ajudar na melhoria do projeto.

Segundo o secretário de Desenvolvimento Econômico, o Brasil vem se tornando um dos maiores pólos de celulose do mundo e é preciso que o estado do Rio participe desse crescimento. Bueno citou como exemplos de uso ecologicamente-econômico do eucalipto os estados de Minas Gerais, Bahia e Espírito Santo, que já realizaram o plantio em larga escala da árvore. O secretário deixou o plenário logo após o seu depoimento e não ouviu as principais reclamações dos representantes da sociedade civil. Esse papel coube ao representante da secretaria estadual do Ambiente, André Ilha. “A mudança proposta flexibiliza a área de plantação e preserva as áreas de proteção permanente”, explicou. Mas as justificativas dos representantes do governo não convenceram os manifestantes que lotaram as galerias do plenário.

De acordo com o ambientalista da Rede Alerta Contra o Deserto Verde, Sérgio Ricardo, a implantação da monocultura do eucalipto no estado ameaça o meio-ambiente e a sobrevivência de pequenos agricultores porque transforma, ao longo dos anos, as áreas plantadas em desertos verdes. Para ele é necessário realizar imediatamente um estudo para organizar o processo de ocupação socioeconômica com o objetivo de identificar e documentar, com ampla participação da sociedade, o potencial da limitação do uso sustentável dos recursos naturais, mas não somente com o plantio do eucalipto. Os manifestantes protestam também contra a diminuição de 30% , previstos na Lei 4.063/03, de autoria do atual secretário estadual do Ambiente, Carlos Minc, para 15% da porcentagem de área a ser destinada para o plantio de mata nativa nos empreendimentos de monocultura.

Eles temem que a plantação do eucalipto seja entregue à empresa Aracruz Celulose e que, com isso, a geração de empregos fique aquém do que a região precisa. Segundo estudos apresentados pelo representante da Fundação de Trabalhadores na Agricultura do Rio de Janeiro (Fetag), Nei Aleixo, a companhia, nos locais onde já opera, vem gerando um emprego para cada 183 hectares. Já a fruticultura, complementa Aleixo, poderia designar dez empregos por cada hectare plantado. De acordo com a representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Neuza Luzia Pinto, o máximo que iria ocorrer com a monocultura de eucaliptos é a formação de subempregos. “O que irá acontecer é a contratação de funcionários para trabalhar na plantação e na aplicação de agrotóxicos, que são funções temporárias. Projetos como esse só geram desigualdade”, disse.

A representante do Movimento dos Sem Terra, Fernanda Mateus, criticou bastante a implantação da monocultura do eucalipto. Para ela, isto reduz significativamente postos de trabalho no campo, além de promover o ressecamento do solo e a mutilação dos trabalhadores. A representante da CUT falou sobre a situação desses trabalhadores. “Processos trabalhistas para obtenção de direitos por parte dos funcionários mutilados da Aracruz Celulose, no Espírito Santo, estão correndo na Justiça até hoje”, explicou Neuza Pinto. Para a delegada Lívia Aroeira, da Delegacia Regional do Trabalho, os direitos trabalhistas dessas pessoas têm que ser respeitados. “Não podemos deixar que a relação de trabalho implementada na plantação de eucalipto repita o exemplo da cana-de-açúcar em Campos, no Noroeste fluminense”, comentou a delegada.

Também presentes na audiência, índios da tribo guarani no Espírito Santo reclamaram do tratamento dado pela Aracruz Celulose ao meio ambiente. Segundo o índio Marcelo Guarani, é preciso tomar cuidado com a preservação da natureza: “Há empresas européias que não compram mais o papel fabricado pela Aracruz por causa desse problema com os índios”, afirmou. Marcelo comentou ainda que a empresa está plantando eucalipto em parte das terras guaranis capixabas. O pesquisador e escritor Rui Nogueira deu uma breve explicação sobre a origem do eucalipto. ”A árvore veio da Austrália para secar os terrenos de beira de estrada, já que ela é uma grande consumidora de água – consome cerca de 360 litros por dia. A sua área de plantação supera a do arroz e do feijão juntas e não permite que outras espécies se desenvolvam”, explicou Nogueira.

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