CARTA POLÍTICA DA REDE ALERTA CONTRA OS DESERTOS VERDES

São Mateus, Espírito Santo – Setembro de 2023

Quilombolas, pescadores, trabalhadores rurais sem terra, pesquisadores, anarquistas,
ativistas, defensores de direitos humanos e da natureza, cineastas do ES, BA, RJ, RS, MS
estivemos reunidos nos dias 16 e 17 de Setembro de 2023 em São Mateus/ES, para o
Encontro da Rede alerta contra os Desertos Verdes.

Visitando uma das muitas retomadas quilombolas no Sapê do Norte, vimos, ouvimos e
sentimos a força da vida que rebrotou em Angelim 2, território tradicional invadido há mais
de 5 décadas por monocultivo de eucalipto e reivindicada pela comunidade. A retomada tem
moradias, plantios, alimentos, criações, energia, crianças, horizontes necessários para que
as famílias possam viver e se reproduzir ali. Vivem em conflito com a Suzano, que ainda na
ditadura militar, expulsou muitas famílias da região (na época era Aracruz Celulose),
destruiu toda sua condição de vida e que ainda hoje persegue a comunidade com
seguranças armados, com cachorros e drones; quebra acordos de projetos e de recuos;
impõe PDRTs (Programas de Desenvolvimento Rural e Territorial) limitantes; contaminam e
secam rios e córregos deixando o território sem água e as comunidades dependentes de
caminhões reservatório de água (carro-pipa) para sobreviverem. Em crítica e pressão sobre
os governos que até hoje não titularam nenhum território quilombola no Sapê do Norte, não
executaram políticas públicas suficientes e adequadas e se submetem ao poder corporativo
da empresa (como fica evidente na Mesa de Resolução de Conflitos coordenada pela
Secretaria Estadual de DHs), famílias quilombolas do Sapê do Norte se organizam e
retomam seus territórios por direito!

Os conflitos com a Suzano estendem-se para muitos outros territórios e envolve muitos
movimentos que há décadas lutam contra o monocultivo de árvores na Rede alerta contra
os Desertos Verdes. O MST/ES ocupou áreas com eucalipto em Abril deste ano,
impulsionando o governo Lula (que ajudaram a eleger) para fazer a Reforma Agrária. Em
crítica à gritante concentração fundiária, ao descumprimento da função social da terra
(ambiental/social/trabalhista) e às terras públicas/patrimoniais terem sido entregues pela
ditadura militar à Aracruz Celulose e até hoje estão com a Suzano, este é o sétimo
acampamento do MST em áreas com eucalipto da Suzano no ES. Acampamentos
produtivos, que alimentaram solidariamente muitas famílias nas cidades durante a
pandemia.

Ainda no ES, territórios tradicionais da pesca também são reivindicados. A Mata Atlântica foi
destruída pela Suzano, muitos rios e córregos estão secos e contaminados, as nascentes
desprotegidas, neste semiárido que se tornou a região, já não existem mais pescados.
Como povos da água, a/os pescadora/es artesanais estão adoecendo, morrendo e gritando
por socorro. Enquanto isso a Suzano, consumidora voraz de água tanto nas indústrias
quanto nos plantios, conseguiu junto a ANA (Agência Nacional de Águas) a outorga para 44
bacias hidrográficas em 9 estados do Brasil e diz em seus relatórios de “sustentabilidade”,
estar em conformidade com as ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) do
cuidado com a água. Mas, no ES não se identifica na AGERH (Agência Estadual de
Recursos Hídricos) registros de portarias de outorgas para nenhum uso d ́água que a
empresa faz no norte do estado e diante denúncias, órgãos públicos e MPE dizem não
haver indícios suficientes de prejudicialidade e arquivam processos.

Na Bahia, a parceria das comunidades quilombolas do extremo sul com o Ministério Público
está mais promissora. Com o apoio da Universidade Estadual, do MPF e da Defensoria
Pública da União,realizaram em março de 2022 uma audiência pública sobre os impactos
do eucalipto em comunidades quilombolas. Nesta ocasião o racismo ambiental e as
diversas violações de direitos humanos ficaram evidentes, como a falta de consulta livre,
prévia e informada (conforme a Convenção 169 da OIT) e o desaparecimento de pelo
menos duas comunidades após a chegada dos monocultivos de eucalipto na região.
Diversas recomendações foram feitas e a pressão seguiu com a formação do Fórum em
Defesa das populações indígenas e comunidades tradicionais na Bahia, já que a Suzano
seguiu impondo danos às comunidades, como a destruição de uma ponte que era usada
pelos quilombolas. Em agosto deste ano, o MPF em ação civil pública contra a União, o
Estado do Bahia, o INEMA (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos) e as empresas
Veracel e Suzano pede que a Justiça determine às empresas a paralisação imediata de
todas as atividades de eucaliptocultura realizadas em áreas de comunidades tradicionais,
bem como o recuo progressivo dos plantios próximos a nascentes, lagos e rios, residências
ou prédios históricos, culturais ou de uso comum.

De olho no mercado de carbono, a Suzano avança para o Mato Grosso do Sul, onde
pretende instalar o maior projeto do mundo de plantações para suposto sequestro de
carbono, certificado pela empresa Verra, que tem acumulado escândalo após escândalo na
mídia internacional. Toda essa expansão da Suzano se dá com o recente aporte financeiro
de US $725 milhões do Banco Mundial/IFC. Com o histórico de terras griladas para o
agronegócio e da vasta destruição socioambiental da região, os plantios já implantados da
Suzano, somados ao Projeto Cerrado (600 mil hectares) e de outras empresas como a
Arauco, disputam o espaço com outros monocultivos como a soja, tornando o estado
dependente de alimentos em 86% e o segundo estado que mais mata indígenas,
exatamente como consequência da pressão de expansão do agronegócio.

Sem limites de crescimento, a Suzano negocia a portas fechadas com governo do estado
do Rio de Janeiro, planos de novos plantios de até 600 mil hectares no norte e nordeste
fluminense, onde argumenta ser terra arrasada e sem conflitos.

Recorrendo a mecanismos variados para este crescimento, no Rio Grande do Sul a recente
flexibilização do zoneamento ambiental permite que a área destinada aos monocultivos de
pinus e eucalipto quase quadruplique.

Árvores transgênicas, créditos verdes e de carbono, padrões de governança ESG são
novas roupagens usadas por empresas que plantam monocultivos de árvores e que sempre
tentaram ser tratadas como florestas para ganhar apoio político e ambiental.
No entanto, a sociedade civil organizada conhece desde o tempo da ditadura militar as
artimanhas empresariais para se impor sobre os territórios e conspirar contra o sistema
democrático brasileiro, como é o caso da Aracruz Celulose revelado em recente pesquisa
encomendada pelo MPF.

Por todos estes motivos, a Rede alerta contra os Desertos Verdes denuncia estes crimes e
exige reparações imediatas!

Assinam:
FASE / ES
World Rainforest Movement (WRM)
Comunidade quilombolas de Volta Miúda – Caravelas, Extremo Sul da Bahia
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) / ES
Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH) / Serra, ES
Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Espírito Santo (COEQ)
Coordenação das Comunidades Quilombolas do Estado do Espírito Santo ‘Zacimba Gaba’
Grupo Tortura Nunca Mais / Rio de Janeiro
Federação Anarquista Capixaba (FACA)
Instituto social Capixaba (ISC)
Movimento de Luta pela Terra (MLT)
Laboratório de Geografia Agrária – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul / Campus
Três Lagoas

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *