Não plante eucalipto, plante alimentos! O lucro é maior e todos ganham
Miolo:
EUCALIPTO – COMO, ONDE, PARA QUÊ E PARA QUANTOS ?
“Os impactos sobrevieram, então, como uma avassaladora avalanche em queda abrupta. Trabalho escravo e trabalho infantil em carvoarias, associados ao manejo florestal celulósico. Devastação da mata Atlântica, assoreamento de grandes rios e o desaparecimento de inúmeros córregos; desestruturação da agricultura familiar, violentas lutas por terra: com os tupiniquins, guaranis e os negros remanescentes de quilombos. O envenenamento da população do entorno florestal por agrotóxicos. Terceirização das operações florestais e depredação das condições de trabalho. Mecanização abrupta do corte e desemprego aberto de milhares de motoserristas no norte do Espírito Santo e, também, na região de Aracruz. Os problemas na saúde do trabalhador florestal, dos acidentados e mutilados do eucalipto”.
Acerca da sociedade capixaba -Retrospectiva e perspectiva dos 30 anos da monocultura do eucalipto no Espírito Santo *
“Na Bahia os problemas foram semelhantes, mas ocorreram em um período mais recente, com maquiagens e disfarces mais sofisticados e foram agravados pela direção hegemônica que os governos concederam às empresas com tanta generosidade, desestimulando outras atividades econômicas, engessando a possibilidade de diversos avanços sócio-culturais e dificultando a recuperação de uma das maiores biodiversidades do planeta”.
CEPEDES – Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia
“Pode ser superior a 50 mil o número de trabalhadores rurais explorados pela indústria carvoeira e madeireira em Minas Gerais, sem registro de trabalho e que desenvolvem suas atividades em condições subumanas, de acordo com a Coordenação de Fiscalização Rural da Delegacia Regional do Trabalho”. A Comissão Parlamentar de Inquérito das Carvoarias vai além, ao afirmar que essas indústrias continuam explorando mão-de-obra infanto-juvenil”.
Jornal Minas, 5 de abril de 2002
“Nos anos 60, a monocultura do eucalipto causou profundos impactos socioambientais em Minas Gerais. Nos anos 70, foi a vez do Espírito Santo. Nos anos 80, o palco da devastação foi a Bahia. Em 2000, a indústria de celulose volta os olhos para o Rio de Janeiro. Será que a ânsia de ocupar melhores posições no sedutor mercado mundial de celulose mais uma vez irá determinar uma intervenção desastrosa sobre o espaço rural?
Rede Alerta contra o Deserto Verde
Eucalipto – árvore da família das Mirtáceas cuja origem principal é a Austrália, não sendo portanto, nativa do Brasil. Possui um ciclo de crescimento relativamente curto (o primeiro corte é feito em 7 anos), e este crescimento rápido a distingue das demais essências florestais, que em geral apresentam crescimento mais lento.
Múltiplo uso do eucalipto – o eucalipto possui uma grande versatilidade de uso e por isso mesmo é útil à propriedade rural. Em alguns casos contribuiu para reduzir as pressões contra as florestas nativas, mas esse argumento já favoreceu seu uso indiscriminado prejudicando as culturas tradicionais, inclusive de espécies nativas, em geral colocadas em segundo plano pela pesquisa científica.
O eucalipto na indústria da celulose – em termos econômicos, o principal destino do eucalipto no Brasil e no mundo é a indústria de celulose, que o utiliza como matéria-prima para a produção de polpa de celulose. Para isso cozinha-se a madeira picada e depois essa pasta é clareada utilizando-se produtos químicos extremamente tóxicos. Essa polpa semi-elaborada é utilizada na fabricação de papéis. A fibra curta do eucalipto tem sido utilizada para fabricar papéis sanitários (higiênicos e produtos descartáveis como toalhas e lenços de papel).
A economia da celulose – A indústria da celulose mantém uma estreita relação com o setor rural, subordinando-o inteiramente de modo a atender seus interesses econômicos. Grande parte da produção brasileira de polpa é destinada ao mercado externo, para reprocessamento.
Mercadoria exportada não paga ICM! – para completar o quadro, a indústria da celulose não contribui efetivamente para o aumento dos valores de impostos repassados para o Estado e Municípios. Isto porque tendo sido ela beneficiada pela Lei Kandir, o ICMS não incide sobre toda a cadeia produtiva para a produção de celulose. O mercado mundial de celulose movimenta hoje US$ 150 bilhões.
O produtor rural recebe muito pouco da riqueza que ajuda a gerar. A cotação da polpa de celulose no mercado mundial alcança hoje cerca de US$ 500,00 por tonelada. Estimando-se serem necessários 4 metros cúbicos de madeira para produzir 1 (uma) tonelada de celulose, e considerando-se o preço atualmente pago ao produtor – R$ 28,00/ m3, temos que a indústria desembolsa R$ 112,00 para adquirir matéria-prima suficiente para produzir R$ 1.800 (1 tonelada de celulose). Ou seja, a agricultura participa com apenas 6% do valor alcançado pelo produto processado, sendo este preço 16 vezes maior que o valor do produto primário.
O eucalipto enquanto opção econômica é uma péssima alternativa
Cultura |
Rentabilidade líquida (reais por hectare/ano) |
Superioridade em relação à cultura do eucalipto ( em número de vezes) |
Eucalipto |
200,00 |
– |
Cultura da goiaba |
30.000,00 |
150 |
Consórcio côco-anão/café |
13.000,00 |
65 |
Cultura da manga |
8.000,00 |
40 |
Cultura da graviola |
8.000,00 |
40 |
Cultura da beterraba |
13.424,00 |
67 |
Cultura da cenoura |
13.628,00 |
68 |
Cultura do inhame |
3.225,00 |
16 |
Cultura do pimentão irrigado |
8.000,00 |
40 |
Fonte: Aracruz (eucalipto), Fundação Luterana de Sementes, FASE, Incaper
OBS: as informações referem-se à médias estimadas, cabendo as variações de acordo com a região, sistema de produção utilizado, condições de mercado, entre muitos outros fatores.
Fomento florestal: só uma opção de comprador
Para garantir regularidade no fornecimento de eucalipto a indústria faz contratos com o produtor, à semelhança do que ocorre com outras cadeias agroindustriais no Brasil, como a do tomate, goiaba, frango, suínos e outras. No caso do eucalipto, esta integração com a indústria é chamada fomento florestal, através do qual são firmados contratos de fornecimento entre o produtor e uma determinada empresa. O produtor só tem portanto, uma opção de comprador. Sendo assim, seu poder de barganhar preços é muito baixo, sobretudo se ele for desarticulado, ou seja, não participar de associações.
Assalariamento disfarçado – Nos contratos de fomento florestal os produtores não necessitam investir qualquer quantia, a empresa fornece as mudas, o adubo, o formicida e a assistência técnica para desenvolver as plantações. Alguns estudiosos consideram que estas relações não passam de um “assalariamento disfarçado”, com a desvantagem do produtor rural assumir inteiramente os riscos da produção agrícola e não receber nenhum benefício social.
Alimentos dão lucro maior e possuem maiores opções de venda
Outros produtos agrícolas, como frutas e hortaliças, oferecem ao produtor mais opções de venda (feiras, mercado do produtor, sacolões, merenda escolar, supermercados locais, etc.). Além disso, ele tem a chance de obter preços muito melhores por estes produtos processando-os em pequenas agroindústrias e ainda produzindo alimentos orgânicos, cujo mercado hoje está em crescimento e é altamente remunerador.
Subordinação do setor rural ao capital industrial: quem decide o rumo do desenvolvimento?
A indústria de celulose e sua ânsia por melhores posições no mercado mundial, quer ser a única determinadora de onde, como e para quem se ocupará o espaço rural, o que está em desacordo com a legislação federal, que determina a realização de um zoneamento agroecológico antes da implantação de algum projeto de desenvolvimento em todo o território nacional segundo a Lei 8.171 da Política Agrícola e Código Florestal.
O zoneamento agroecológico é participativo
O zoneamento agroecológico é, na verdade, um estudo que deve identificar as potencialidades do território e classificar as áreas segundo diferentes padrões desejáveis de uso. Ele deve ser capaz de ordenar o território de forma a combinar desenvolvimento econômico com a preservação do meio ambiente em todo o território nacional. E todos os grupos sociais envolvidos devem participar destas discussões durante sua elaboração
Impactos sociais da monocultura do eucalipto
A indústria, ou seja, um único interesse privado, decide, à sua conveniência, a localização e o tamanho dos projetos rurais por critérios puramente lucrativos. Ora, e se região escolhida estiver definida pelo Estado como área prioritária para Reforma Agrária, como ocorre com as regiões Norte e Noroeste fluminense, regiões com fortes indicadores de pobreza e com um grande número de famílias a serem assentadas?
A monocultura de eucalipto gera muito pouco emprego
Enquanto que um hectare na fruticultura pode gerar 10 empregos, a monocultura de eucalipto gera tão pouco emprego que os números divulgados pelas empresas são assim: “1000 ha geram 50 empregos diretos em 5 anos” – ou seja, 0,05 emprego por hectare em 5 anos! Podemos imaginar um triste cenário de êxodo rural com a ocupação maciça desta monocultura em uma determinada região.
Impactos ambientais da monocultura do eucalipto
Nenhuma outra cultura cresce tanto em tão pouco tempo, para isso é necessário o consumo de grandes quantidades de água e nutrientes, tais como o potássio e magnésio do solo1. Em áreas já degradadas, plantios homogêneos podem levar à completa exaustão do solo. O monocultivo pode afetar também mananciais de água, além de rebaixamento de lençol freático2.
Uso de pesticidas
Os plantios industriais, quando se instalam, dependem da aplicação de grandes quantidades de herbicidas, provocando graves impactos no meio hídrico, na fauna e nos trabalhadores que os aplicam.
Monocultura de eucalipto em regiões em processo de desertificação
O que acontecerá caso grandes plantações ocupem áreas em processo de desertificação, já com problemas de escassez de água?
Eucaliptocultura e os impactos à biodiversidade
Qualquer atividade agrícola tem um nível de perturbação no ecossistema. Sabemos que as monoculturas causam consideráveis impactos ambientais. No caso da monocultura de eucalipto, há uma forte limitação à presença da fauna, uma vez que não existem frutos. Também é difícil o consórcio com outras culturas ou outras espécies vegetais graças aos efeitos tóxicos de substâncias emitidas pela árvore (alelopatia)3.
Política de incentivo governamental
Para se ter uma idéia, uma única empresa fabricante de celulose recebeu do governo federal, via BNDES, 1 (um) bilhão de reais para expansão de suas instalações industriais. Enquanto isso, o governo federal destinou ao longo de um ano apenas R$ 600 milhões para a agricultura familiar em todo o Brasil.
Mas não precisamos de papel?
Para ilustrar, sabemos que os Estados Unidos consomem 347 kg de papel por pessoa/ano, o Brasil 38 Kg/pessoa/ano e o Vietnam 6 kg/pessoa/ano. Será que o consumo de papel está de fato relacionado à civilização, à alfabetização? Pois bem, o Vietnam possui o mesmo nível de alfabetização que os Estados Unidos, 95%.
Além disso, grande parte da fibra de celulose produzida a partir do eucalipto destina-se à produção de papéis descartáveis.
Por todas estas razões, a Rede Alerta contra o Deserto Verde, formada por mais de 100 entidades nos estados do Espírito Santo, Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais, tem procurado conscientizar a sociedade para os riscos da formação de um verdadeiro deserto verde, em detrimento da Reforma Agrária, da produção de alimentos em sistemas familiares diversificados e ecológicos, da recuperação dos ecossistemas ameaçados, das possibilidades geradas pelas florestas sociais, em prejuízo das águas, das economias regionais e da vida!
Bibliografia
*Calazans, Marcelo. Acerca da sociedade capixaba-Retrospectiva e perspectiva dos 30 anos da monocultura do eucalipto no Espírito Santo,s.d.
Carrasqueira, M.V. Eucalipto: Mais lenha na fogueira! S.d.
Fomento Florestal – o que é, a quem interessa, quanto ganha o produtor? Centro de Defesa dos Direitos Humanos – Teixeira de Freitas,Bahia, s.d.
Seminário Internacional sobre Eucalipto e seus Impactos – Vitória, agosto de 2001, realizado pela Assembléia Legislativa do Espírito Santo.
Rede Alerta contra o Deserto Verde
AGB-Rio – Associação dos Geógrafos Brasileiros – Rio e Niteroi
GT Ambiente AGB-Rio e AGB-Niteroi
CUT-RJ
APEDEMA-Assembléia Permanente das Entidades de Defesa do Meio Ambiente
FASE Solidariedade e Educação
Rede Brasileira de Justiça Ambiental
CREA-RJ – Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomiaura do Estado do Rio de Janeiro
FETAG – Federação dos Trabalhadores na Agricultura
CPT – Comissão Pastoral da Terra
Verdejar – Proteção Ambiental e Humanismo
Bicuda Ecológica
CNFCN – Centro Norte Fluminense para a Conservação da Natureza
SINDIPETRO – Sindicato dos Petroleiros
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
MCPA – Movimento de Cidadania pelas Águas
Comissão de Defesa do Meio Ambiente da Alerj
AEARJ – Associação de Engenheiros Agrônomos do Rio de Janeiro
ACAPEMA – Associação Capixaba de Proteção ao Meio Ambiente
ADEFAI – Associação dos Deficientes Físicos e Amigos de Iconha
AGB – Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Vitória (ES)
AMJAP – Associação de Moradores de Jardim da Penha (Vitória/ES)
AMPRDI – Associação de Moradores e Produtores Rurais de Iconha
AMUTRES – Associação de Mulheres Trabalhadores Rurais/ES
Associação Padre Gabriel Maire em Defesa da Vida
CECUN/ES – Centro de Estudo e Cultura Negra/ES
Centro de Defesa dos Direitos Humanos – Regional Sul
Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra
Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Baixo Guandu
Centro de Defesa dos Direitos Humanos de São Gabriel da Palha
Centro de Defesa dos Direitos Humanos do Extremo Sul da Bahia
CEPEDES – Centro de Pesquisa para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia
CIMI Equipe ES – Conselho Indigenista Missionário
CIMI Equipe Extremo Sul da Bahia
Conselho Municipal de Educação de Cachoeiro de Itapemirim
COOPICAR – Cooperativa das Famílias Carvoeiras do Norte do Espírito Santo
CUT/ES – Central Única dos Trabalhadores
CUT Extremo Sul da Bahia
Espaço Cultural da Paz (Teixeira de Freitas/BA)
FAMMOPOCI – Fed. de Associações de Moradores e Movimentos Populares de Cachoeiro de Itapemirim
FAMOPES – Federação de Associações de Moradores e Movimentos Populares do Espírito Santo
FASE/ES – Fed. de Órgãos para Assistência Social e Educacional
FASE/Itabuna/BA
FETAES – Federação dos Trabalhadores na Agricultura/ES
Fórum de Lutas do Campo e da Cidade
Fórum de Mulheres do Espírito Santo
Fundação Canaan
Gambá – Grupo Ambientalista da Bahia
Igreja de Confissão Luterana /Brasil (Sínodo do Espírito Santo a Belém)
Missionarios Combonianos (Carapina/Serra/ES)
Movimento Nacional de Direitos Humanos – Regional Leste I
Movimento Nacional de Meninas e Meninos de Rua
MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores do Espírito Santo
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
OJAB – Organização da Juventude Negra – Nação Zumbi
ONGAL – ONG Amigos do Lameirão
Pastoral Social de Braço do Rio
Sindicato dos Bancários do Espírito Santo
Sindicato dos Petroleiros do Estado do Espírito Santo
Sindicato dos Trabalhadores em Cal e Gesso do Espírito Santo
Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Mármore/ES
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Jaguaré
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Linhares
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Montanha
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Gabriel da Palha
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Mateus
SINDIUPES – Sindicato dos Professores da Rede Pública/ES
1 Ver em “O Eucalipto e Água: Verdade ou Falácia? de Harald Witt, África do Sul, in Seminário Internacional sobre Eucalipto e seus Impactos, 2001 e também em “Fomento Florestal: o que é, a quem interessa e quanto ganha o produtor?”, Centro de Defesa dos Direitos Humanos s.d.
2 Idem
3 “Fomento Florestal: o que é, a quem interessa e quanto ganha o produtor?”, Centro de Defesa dos Direitos Humanos s.d.