Cabral e o deserto verde

Dr. Carlos Walter Porto-Gonçalves – UFF
Dr. Paulo Roberto Raposo Alentejano – UERJ

O governador Sérgio Cabral enviou semana passada para a Assembléia
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, em regime de urgência, um projeto
de lei (PL) nº 383/2007 alterando a Lei Estadual 4063/2003.
A lei 4063/2003 determinava a realização de zoneamento
ecológico-econômico no estado, com a participação da sociedade civil, e condicionava a
introdução de monoculturas em larga escala à elaboração prévia do
mesmo, sendo que os proponentes dos projetos de monocultura deveriam dividir
com o poder público os custos de elaboração do zoneamento nas regiões
onde objetivassem se instalar.
Condicionava ainda a liberação do plantio das monoculturas ao
licenciamento ambiental e ao plantio de espécies nativas em 30% da área plantada
ou 10% se já houvesse 20% de reserva legal na propriedade. Estabelecia
também regras para a proteção de nascentes e rios, proibindo o plantio
em suas margens. A lei, de autoria do então deputado Carlos Minc,
atual secretário de Meio Ambiente, visava proteger a sociedade fluminense
dos impactos ambientais negativos da monocultura, comprovados
mundialmente através de inúmeros estudos científicos que apontam a destruição
causada pelas grandes monoculturas sobre a biodiversidade (eliminação de
espécies animais e vegetais), os solos (erosão e perda de fertilidade),
os rios e demais cursos d´água (assoreamento, poluição por agrotóxicos,
diminuição da vazão e ressecamento). A lei representava um grande
avanço em termos de preservação ambiental e qualidade de vida para a
população.
O projeto de Lei enviado pelo governador Sérgio Cabral altera os
procedimentos relativos à implementação do zoneamento ecológico-econômico,
eliminando a obrigatoriedade dos proponentes dos projetos de monocultura
de dividir os custos da realização do mesmo com o poder público,
passando todo o ônus para o Estado. Uma primeira pergunta se impõe aos
proponentes do atual projeto: que segurança pode ter a população do Rio de
Janeiro diante de um Legislativo que aprova uma lei envolvendo cultivo de
espécies que necessariamente exigem um prazo de cinco a sete anos para
crescer, sem que sequer esse tempo tenha transcorrido para que o
projeto tenha sido implementado? Que fatos novos ocorreram de 2003, quando a
atual lei foi aprovada, até hoje para que o Executivo proponha uma
nova lei? Que papel tem o atual Secretário de Meio Ambiente, Sr. Carlos
Minc, que tanto se empenhou junto à sociedade civil para aprovar a atual
lei, na elaboração do projeto ora proposto pelo Executivo, quando s
e sabe que a atual lei sequer teve seus procedimentos implementados?
Talvez o fato do atual projeto do governador introduzir uma referência
exclusiva à silvicultura, como se essa monocultura fosse menos danosa
que outras, possa nos esclarecer os verdadeiros motivos do pedido de
urgência na sua tramitação. E mais, por que o PL 383/2007 elimina somente
para a silvicultura a contrapartida prevista na Lei 4063/2003 que obriga
empreendimentos de monocultura a plantar ou manter o equivalente a 30%
da área cultivada com mata nativa? Com isso evidencia-se a verdadeira
intenção do projeto, qual seja, a liberação acelerada dos grandes
projetos de silvicultura no estado, o que ainda fica mais evidente quando se
observa a incongruência entre o Parágrafo Único do Artigo 7º e seu
caput, pois, enquanto o caput estabelece a obrigatoriedade do zoneamento
da região para a liberação da monocultura em larga escala, o Parágrafo
Único diz que enquanto o zoneamento não for realizado valem as regra
s contidas no PL 383/2007. Ou seja, na prática elimina-se a
necessidade do zoneamento para os projetos de silvicultura. Mas por que todas
essas benesses para o setor da silvicultura? A resposta para isso talvez
possa ser encontrada nas negociações em curso, coordenadas pelo
Secretário Julio Bueno, cuja trajetória política e empresarial se fez no
vizinho estado do Espírito Santo, e que busca viabilizar a entrada da empresa
Aracruz Celulose no Rio de Janeiro.
Antecipando-se ao zoneamento ecológico-econômico, o PL divide o estado
em 10 regiões hidrográficas, para as quais, em alguns casos, elimina a
necessidade de licenciamento ambiental, mantendo a necessidade de
EIA-RIMA (Estudo e Relatório de Impacto Ambiental) apenas para as áreas
superiores a 250 ha.
Desta forma, o PL, 383/2007 ao contrário do que está escrito na
mensagem de envio do mesmo, não representará qualquer melhoria para a
população do estado “preservando a Mata Atlântica, a agricultura familiar,
garantindo o suprimento de madeira, o desenvolvimento regional, combatendo
a desertificação e a degradação ambiental”.
Pelo contrário, o que o PL 383/2007 proporciona são facilidades para a
implantação da silvicultura em larga escala, em consonância com os
interesses das grandes empresas de papel e celulose. Além da evidente
promiscuidade de interesses entre Estado e capital privado, é preciso
observar as falácias contidas no discurso do desenvolvimento que acompanha
esta iniciativa. Basta observar alguns números para desmontar estes
argumentos:
1. O eucalipto enquanto opção econômica é uma péssima alternativa,
como nos mostra o quadro abaixo:
Cultura Rentabilidade líquida (reais por hectare/ano) Superioridade em
relação à cultura do eucalipto (em número de vezes)
Eucalipto 200,00 –
Cultura da goiaba 30.000,00 150
Consórcio côco-anão/café 13.000,00 65
Cultura da manga 8.000,00 40
Cultura da graviola 8.000,00 40
Cultura da beterraba 13.424,00 67
Cultura da cenoura 13.628,00 68
Cultura do inhame 3.225,00 16
Cultura do pimentão irrigado 8.000,00 40
Fonte: Aracruz (eucalipto), Fundação Luterana de Sementes, FASE,
Incaper
OBS: as informações referem-se à médias estimadas, cabendo as variações
de acordo com a região, sistema de produção utilizado, condições de
mercado, entre muitos outros fatores.

2. O fomento florestal, através do qual são firmados contratos de
fornecimento entre o produtor e uma determinada empresa representa uma forma
de monopolização, pois o agricultor tem apenas uma opção de comprador.
Além disso, nos contratos de fomento florestal a empresa fornece as
mudas, o adubo, o formicida e a assistência técnica para desenvolver as
plantações, representando uma forma de “assalariamento disfarçado”, com
a desvantagem do produtor rural assumir inteiramente os riscos da
produção agrícola e não receber nenhum benefício social.
3. A cotação da polpa de celulose no mercado mundial alcança hoje cerca
de US$ 500,00 por tonelada. Estimando-se serem necessários 4 metros
cúbicos de madeira para produzir 1 (uma) tonelada de celulose, e
considerando-se o preço atualmente pago ao produtor – R$ 28,00/m3, temos que a
indústria desembolsa R$ 112,00 para adquirir matéria-prima suficiente
para produzir R$ 1.800 (1 tonelada de celulose). Ou seja, a agricultura
participa com apenas 6% do valor alcançado pelo produto processado,
sendo este preço 16 vezes maior que o valor do produto primário.
4. Enquanto que 1 hectare na fruticultura pode gerar 10 empregos, a
monocultura de eucalipto gera um emprego para cada 183 hectares e ao custo
de R$ 1.200.000,00 de investimento. Enquanto isso, nos assentamentos
de Reforma Agrária, os maiores lotes do Estado do Rio de Janeiro têm
cerca de 17 hectares para o sustento de uma família a um custo médio,
incluindo investimentos governamentais, inferior a R$ 100.000,00.
Podemos imaginar um triste cenário de êxodo rural com a ocupação maciça
desta monocultura em uma determinada região.
5. O eucalipto é uma das espécies de crescimento mais acelerado, para
isso, é necessário o consumo de grandes quantidades de água e
nutrientes, tais como o potássio e magnésio. Em áreas já degradadas, plantios
homogêneos podem levar à completa exaustão do solo. O monocultivo pode
afetar também mananciais de água, além de rebaixamento de lençol freático.
Estudo publicado em 1997 na revista Science, uma das mais conceituadas
do mundo, afirma que a monocultura de eucalipto reduz o fluxo fluvial
em 52% e que 13% dos rios secam completamente em um ano. Mesmo após a
erradicação do monocultivo o retorno pleno da descarga fluvial dura mais
de 5 anos. Qual o impacto ambiental desse projeto de lei?
6. Os plantios industriais, quando se instalam, dependem da aplicação
de grandes quantidades de herbicidas, provocando graves impactos no meio
hídrico, na fauna e nos trabalhadores que os aplicam.
7. Qualquer atividade agrícola tem um nível de perturbação no
ecossistema. Sabemos que as monoculturas causam consideráveis impactos
ambientais. No caso da monocultura de eucalipto, há uma forte limitação à
presença da fauna, uma vez que não existem frutos. Também é difícil o
consórcio com outras culturas ou outras espécies vegetais graças aos efeitos
tóxicos de substâncias emitidas pela árvore (alelopatia).

Por todas estas razões, alertamos a sociedade que a aprovação do PL
383/2007 representará sérios riscos de formação de um verdadeiro deserto
verde no estado do Rio de Janeiro, em detrimento da Reforma Agrária, da
produção de alimentos em sistemas familiares diversificados e
ecológicos, da recuperação dos ecossistemas ameaçados, das águas, das economias
regionais e da vida.
Será que o governador Cabral e seu Secretário de Meio Ambiente querem
ficar para a história como criador de desertos no Rio de Janeiro?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *