Carta-Denúncia: Desertos verdes da Suzano e seus rastros vermelhos
É de enorme gravidade o conflito por terra no Norte do Espírito Santo. Não bastassem o desaparecimento de rios e córregos, a extinção da fauna e da flora da mata atlântica, a guerra química dos agrotóxicos. Aumenta a repressão contra camponese/as, sem terras, pescadore/as, quilombolas e indígenas. Crescem as ameaças das empresas de segurança patrimonial e da PM. Se exacerba a criminalização das principais lideranças e a guerra preventiva contra toda e qualquer resistência. O latifúndio de eucalipto da Suzano Celulose cria ali um campo de batalha capixaba, que se estende como sesmaria, pelo extremo Sul da Bahia. Centenas de milhares de hectares de plantios industriais de eucalipto geneticamente modificado e de rápido crescimento, protegidos por vigilância máxima. Muita terra sem gente e sem trabalho. E muita gente sem terra e sem emprego. Trata-se de um conflito de grandes dimensões espaciais e temporais. Repetição atualizada de uma velha história, nunca reparada, que se inicia desde a violência do escravismo colonial, depois se atualiza no império, depois nas repúblicas, na ditadura empresarial militar de 64, nos dias de hoje. História desde sempre baseada na concentração de terras e poder pelo latifúndio agroexportador. Foi assim no pau brasil, no açúcar, no café. Segue sendo no agronegócio da celulose. Exploração da natureza e do trabalho.
Afinal, o que faz o INCRA no Espírito Santo? Precarizado e sem orçamento adequado, nenhum território quilombola no Sapê do Norte foi titulado! Nada também de Reforma Agrária! Nacionalmente, a continuar nesse ritmo de Lula, CONAQ calcula que levaria pelo menos 2 mil anos para titular todos os territórios quilombolas do país. Estaremos em 4025!? Haja esperança! Enquanto isso, em Conceição da Barra, a comunidade de Linharinho conquistou em 2024 a publicação da sua Portaria com a área reduzida a 1/3 do seu território original, e mesmo assim a Suzano Celulose apelou à justiça e conseguiu facilmente derrubar a publicação da portaria. Em São Mateus, a comunidade de São Cristóvão está há 4 anos tentando que o Estado pague por desapropriações dos fazendeiros. Mesmo com a justiça cobrando, nada é feito. Em todo Sapê do Norte, 35 comunidades resistem à espera de titulação. Famílias sem terras, acampadas e nas periferias urbanas das cidades da região, esperam pela Reforma Agrária. O que faz o INCRA e o Governo Lula?? O que faz o Governador Casagrande??
Incentivam a Suzano Celulose e o agronegócio com o maior Plano Safra da história! Pior, em maio de 2024, Lula sanciona a lei que libera de licenciamento ambiental o setor de silvicultura, e este ano não mobiliza a sociedade nem sequer sua base parlamentar contra o PL da Devastação. Ao final de 2023, Casagrande já havia flexibilizado o licenciamento ambiental no Estado, com a mesma cara de pau que se lança como presidente do Consórcio Brasil Verde. Puro greenwashing para a COP30! Enquanto isso, o acesso à água é garantido pelas outorgas dadas à Suzano, que é recordista nacional do consumo empresarial: 469,8 bilhões de litros por ano, em 59 outorgas espalhadas por oito estados de quatro regiões.
As Mesas de conciliação de conflitos, criadas pelos governos Estadual e Federal, não garantem minimamente as mais básicas reivindicações quilombolas e dos trabalhadores sem terra, como água e terra. Nacionalmente, a CONAQ se retirou desse “espaço de negociação”, por nunca ter nenhum representante do Estado com poder de atender suas demandas. No ES, a conciliação de conflitos coordenada pela SEDH do Governador Casagrande é, na verdade, dirigida pela própria Suzano Celulose e seu batalhão de advogados. As “negociações” se dão em espaço restrito, em que só entra quem o Estado e a empresa permitem. É onde forçam um acordo que ignora os direitos quilombolas, o histórico de grilagem das terras pela Aracruz Celulose, as terras devolutas do Estado comprovadamente quilombolas, a função social da terra, e ainda as matrículas forjadas, que a empresa teve canceladas depois de ação do Ministério Público Federal. Na “conciliação dos conflitos”, a Suzano, como se fosse a legítima proprietária, estipula uma quantidade mínima de terras por famílias quilombolas (2,4 hectares) e um vínculo financeiro com os plantios de eucalipto da empresa. Segue a governança corporativa sobre essas terras e nenhum conflito resolvido. O que faz o Sr. Governador Casagrande e sua Secretaria Estadual de Direitos Humanos? Concilia para o lado do poder econômico e corporativo. Tenta a maquiagem de despejos “humanizados”! Uma farsa.
Na verdade, a Secretaria Estadual de Direitos Humanos do Governo Casagrande e o INCRA do Governo Lula apenas legitimam despejos em massa em todo Norte do Espírito Santo. Enquanto isso, a Suzano Celulose parte para cima das Retomadas quilombolas, do/as pescadore/as, dos acampamentos de sem terras e camponeses, todos ameaçados por inúmeros processos de reintegração de posse. As retomadas têm sido uma estratégia construída pelos quilombolas desde 2006, quando iniciaram a recuperação de seus territórios. Basta de eucalipto cobrindo as nascentes dos córregos, avançando no que resta de mata ciliar, sombreando casas e envenenando lavouras. De lá pra cá, o trabalho empenhado na transição dos monocultivos de eucalipto em larga escala (só em Conceição da Barra representava mais de 60% do município) possibilitou novos horizontes de vida, de autonomia, de liberdade e dignidade às famílias. Casas e farinheiras foram construídas, nascentes e córregos vêm sendo recuperados, agroflorestas desenvolvidas, alimentos foram plantados e comercializados, tanto para o poder público (PAA e PNAE) quanto diretamente com o consumidor em feiras públicas e com co-produtores da tecnologia social do CSA (Comunidade que Sustenta a Agricultura). Enfrentando graves violências e conflitos, as retomadas quilombolas são uma conquista necessária e legítima do uso social e ambiental da terra. Tudo isso agora está sob ameaça de despejo.
Em meio a seu Deserto Verde, a Suzano Celulose cerceou o direito de ir e vir, ao restringir os acessos com gelo baiano. Drones vigiam próximo às casas e comunidades. A segurança privada da empresa (hoje com o Grupo Souza Lima) patrulha, aborda e intimida com cachorros as famílias que plantam e cuidam das terras e das águas. A polícia militar está a serviço constante da empresa, sobretudo depois da assinatura do Termo de cooperação técnica entre a Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social e a Suzano Celulose, em janeiro de 2024. Longe da sala fechada de conciliação do Governo Casagrande, nos territórios quilombolas, nas áreas de interesse da Reforma Agrária, a repressão se intensifica. As lideranças comunitárias são criminalizadas por defenderem o direito à terra e por resistirem a sucessivas violações.
Diante da gravidade da situação social e ambiental na região Norte do Espírito Santo, a criminalização das lideranças e comunidades, os despejos desumanos, a violência corporativa e do Estado apenas agravam e atualizam o conflito histórico e estrutural.
Para que haja justiça e paz no Norte do Espírito Santo. Basta de latifúndio. Basta de monocultura de eucalipto. Basta de agrotóxicos. Basta de despejo! Pela defesa das retomadas e pela titulação dos territórios quilombolas do Sapê do Norte! Pela Reforma Agrária popular! Pela regularização dos territórios de pesca artesanal! Pela produção familiar e camponesa de alimentos. Pela recuperação da mata atlântica!

